Ascânio Seleme *
Lula
chegou a pedir para a PM subir num apartamento em Chapecó e “dar um corretivo
no canalha” que jogava ovos contra o palanque em que ele e seus aliados faziam
campanha antecipada disfarçada de caravana para conhecer o Brasil. Lula foi
vaiado, cerceado no seu direito de se locomover, foi brindado com chuva de
ovos, recebeu vaias e teve que ouvir apitaços. Mas, grave, gravíssimo: sua
comitiva foi atacada por pedradas e dois ônibus da caravana foram atingidos por
tiros.
Trata-se
do sinal mais evidente da intolerância que atravessa o país. Lula não foi
impedido de se manifestar, mas esse era o objetivo dos adversários. E uma das
cláusulas mais importantes, não digo nem da Constituição, mas da Civilização, é
o direito inalienável de um indivíduo expressar suas ideias e seus ideais.
Desta vez, porém, não foi só a voz do ex-presidente que se quis cessar, os
tiros poderiam ferir, ferir gravemente ou matar Lula ou outro integrante da
caravana. Lula não estava na comitiva, mas quem atirou não sabia. Ele era o
alvo.
Não
adianta tentar justificar que Lula também é intolerante, como demonstrou ao
pedir “corretivo” ao lançador de ovos de Chapecó. Nem que esta é a prática
rotineira do PT e de aliados como MST e MTST, o que também é verdade. Nada
explica, nada reduz a gravidade dos tiros dados contra a comitiva. As pedradas
já foram claras manifestações de intolerância. Da mesma forma que os tiros, as
pedradas representaram riscos à integridade dos membros da caravana.
Os
autores destes ataques têm de ser identificados pela polícia e punidos pela
Justiça. São criminosos. Sua ação é conhecida no Direito como tentativa de
homicídio. Não vale dizer que foi apenas para dar um susto. E tampouco existe
na legislação brasileira a figura da tentativa de homicídio culposo. Se alguém
der um tiro na direção de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, estará tentando
matar esta pessoa ou pessoas daquele grupo. Ponto final.
Em
outros momentos da história política nacional já vimos ameaças e troca de agressões
entre adversários políticos. Num dos primeiros do embate entre PT e PSDB,
durante a eleição de 2002, duas mulheres trocaram tapas e pontapés num bar do
Leblon e uma delas arrancou parte de um dedo da outra com os dentes.
Recentemente, durante o debate em torno do impeachment de Dilma, Lula ameaçou
chamar o “exército do Stedile” para defender a ex-presidente.
A
intolerância não tem cor partidária. Tão grave quanto os tiros na comitiva são
as ameaças recebidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e
sua família. O ministro, relator da Lava-Jato no Supremo, revelou ao jornalista
Roberto D'Avila, da GloboNews, que estas ameaças se repetem e que medidas de
segurança já estão sendo adotadas. Este tipo de intolerância, além de ser
contra a política, é também contra a Justiça. Duplamente grave e maléfica.
Os
dois casos atentam contra a democracia. Não para derrubá-la ou substituí-la por
outro sistema político, claro que não. Mas para turvar a visão, inibir a
participação, mudar a vontade do seu principal beneficiário, o eleitor. Da
mesma forma, a agressão ao repórter Sérgio Roxo aplicada por seguranças de Lula
atenta contra a vontade popular. Agredir repórter é o mesmo que atacar a
informação, a verdade e a transparência.
Teve
gente que disse que a agressão ao repórter não se compara aos tiros disparados
contra a comitiva. Como não? Agressões e assassinatos de jornalistas por razões
políticas são corriqueiros no país. Quem releva o ataque ao jornalista defende
o controle da mídia, a censura. E apareceu também quem minimizasse o ataque a
Lula e a ameaça a Fachin. O governador Geraldo Alckmin disse que Lula estava
“colhendo o que plantou”. E o jornalista Luis Nassif escreveu que Fachin “se
apresentou como herói, sem mácula” e que a ameaça “pode ser uma armação do
MBL”.
Já
atirar ovos é uma maneira ancestral de atacar o oponente político. Não machuca,
apenas humilha, como a torta de creme esmagada na cara do adversário. Nos anos
que antecederam a sucessão de Fernando Henrique, ovos voavam para lá e para cá
numa chuva quase diária. O então candidato do PSDB, José Serra, foi atingido
duas vezes. A coisa ficou tão banal que, no ano 2000, foi criado um site para
quem quisesse atirar ovos virtuais. Era o “ovoneles.com.br”, que montou um
ranking dos mais atingidos virtualmente. FH liderou este ranking do primeiro ao
último dia. Ovo, sim? Bala e pedra, não!
* Jornalista e Colunista do Jornal O Globo