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Marília Arraes, derrotada no segundo turno em Recife, durante a campanha. ARTHUR MARROCOS |
Do El País
O Partido dos Trabalhadores (PT) não elegeu nenhum candidato próprio nas capitais brasileiras nestas eleições até agora ― está ainda na disputa em Macapá, onde as eleições foram adiadas. É a primeira vez que isso acontece desde a redemocratização do país, em 1985. Em todo o Brasil, o partido conquistou apenas 183 prefeituras, enquanto outras siglas tiveram resultados muito superiores, como MDB e PP, que superaram as 600 prefeituras cada uma. Seguiu o encolhimento que já protagonizava desde 2016, quando fez 254 prefeitos e voltou, neste ano, a um tamanho semelhante ao que tinha antes dos Governos de Luiz Inácio Lula da Silva, iniciados em 2003 - cerca de 200 cidades com comando do partido.
Por um lado, é uma amostra que o antipetismo segue como uma força política significativa. De outro, trata-se do resultado de uma estratégia que optou por, quase sempre, lançar chapas próprias em detrimento de alianças com outras siglas de esquerda. É o caso de São Paulo, onde o candidato Jilmar Tatto amargou menos de 10% dos votos no primeiro turno, assistindo à ida de Guilherme Boulos, do PSOL, à segunda rodada eleitoral. O resultado foi a fragmentação dos votos e a consolidação de partidos como o PDT e o próprio PSOL como novas opções ao eleitorado de esquerda.
Apesar do resultado das
urnas, analistas políticos afirmam, no entanto, que é prematuro falar em uma
derrocada política completa. O PT ainda demonstra alguma força. Foi novamente
às urnas em 20 das 57 cidades que tiveram segundo turno ― todas elas com
colégios eleitorais significativos. E venceu em quatro delas: Contagem, Juiz de
Fora, Diadema e Mauá.
Na maioria das cidades, o PT
apostou em candidaturas de ex-prefeitos que contavam com a marca da
experiência. O objetivo do partido era retomar espaço dentre os 96 maiores
colégios eleitorais brasileiros, grupo que inclui as 26 capitais de estados e
70 cidades de interior com mais de 200 mil eleitores, um contingente em que, há
quatro anos, o partido venceu apenas em Rio Branco (AC). A maior cidade que
será governada por um petista a partir do ano que vem é Contagem, a terceira
maior de Minas Gerais, onde a ex-prefeita Marília Campos venceu o advogado
Felipe Saliba (DEM) por margem estreita (51,35% dos votos).
“Não posso cravar uma
derrocada do PT, mesmo porque esteve em 15 das 57 grandes cidades que tiveram
segundo turno. Não é porque perdeu em 11 que vou desconsiderar esta força e
dizer que vão esquecer o partido”, declara o cientista político Rudá Ricci.
Feita esta ponderação, Ricci avalia que o partido sai diferente destas eleições
e prevê que deverá enfrentar um embate interno pela mudança de perfil de seus
filiados com mandato. Isso porque candidaturas que tiveram êxito nas urnas,
como por exemplo em Contagem e Juiz de Fora, não representam a ala majoritária
do PT, ligada ao ex-presidente Lula. “Acho que vai ter um embate interno muito
importante porque a corrente majoritária saiu derrotada. Mudou a conjuntura
política de quem tem mandato no PT. E não dá pra fazer mais a narrativa que
coloca a culpa nos outros”, analisa Ricci.
Já Wilson Gomes, filósofo,
professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e
coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia
Digital, diz que “o PT estancou a sangria de 2016, mas teve uma grande perda
nos dez maiores colégios eleitorais do país [São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador,
Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Manaus, Recife, Porto Alegre e Belém]”,
explica
A presidente nacional do
partido, Gleisi Hoffmann, tentou defender os resultados alcançados. Destacou
que o PT venceu em quatro das 15 cidades que disputava neste domingo e que teve
mais de 40% dos votos em nove delas. “Vencemos com o PSOL em Belém, lutamos ao
lado de Boulos e Manuela. E o Brasil viu o q fizeram p/ barrar Marília em
Recife. O PT segue junto com o povo”, acrescentou. E arrematou dizendo que o
“segundo turno mostrou que a esquerda sabe lutar”.
Mudança de perfil
Neste ano, o eleitor que
votou nas candidaturas de centro-esquerda não mais associou este campo
diretamente ao PT, pontua Ricci. Este eleitorado votou de forma mais plural, em
candidatos do PSOL e do PDT, por exemplo. “O PT vinha crescendo desde os anos
1980 e fez quatro vezes a presidência, então ofuscava estes partidos, que agora
cresceram”, avalia. O cientista político vê uma transição se formando no campo
de centro-esquerda brasileiro, cujas inovações estariam sendo protagonizadas
especialmente por mulheres e suas candidaturas coletivas às câmaras municipais.
O campo começa, ainda, a apresentar uma pluralidade de lideranças. Ele cita
como exemplo nomes como Manuela D’Ávila (PCdoB), Guilherme Boulos (PSOL) e
Marília Arraes (PT). Embora nenhum deles tenha vencido no segundo turno,
ganharam destaque e foram competitivos. Seria, portanto, uma pluralidade de
lideranças que o cientista político não vê no campo de centro-direita.
O Partido dos Trabalhadores
começou a crescer nos anos 1980, mas a partir do final dos anos 1990 afastou-se
do “modo petista de governar” no âmbito local, representado, por exemplo, pela
ideia de um orçamento participativo, conselhos e inversão de prioridades. Com a
chegada de Lula ao poder, em 2002, o partido montou um modelo de coalizão ampla
que o aproximou do modelo de centro-direita que tradicionalmente domina as
prefeituras brasileiras. Nunca chegou a ser um partido majoritário nas
municipais, mas ganhou fôlego. Em 2008, fez 557 prefeitos e se tornou a
terceira força política do país. Em 2012, chegou a 632 prefeituras. No âmbito
nacional, se afastou das bases e dos movimentos sociais e foi se
parlamentarizando, com deputados em postos de liderança interna. A partir de
2016, voltou a encolher nos municípios. “Lula não mudou essa lógica do
centro-direita da política brasileira. Ele a reforçou. É como se tivéssemos uma
cabeça de esquerda e o corpo todo de centro-direita”, compara Ricci. Esta
trajetória, para o cientista político, soma uma sucessão de erros estratégicos.
Para Wilson Gomes, um dos
maiores equívocos é a resistência a olhar o espelho. “O PT está muito
envelhecido, sua cúpula está envelhecida, mas o partido não faz nenhuma mudança
em sua autoimagem, nenhuma autocrítica, nada”, diz.
“O PT se tornou um partido
com a lógica tradicional, mas que tinha relações com a base marginalizada. É um
partido funcional do sistema, mas a base não romperia com este sistema porque
tinha o PT e as instituições como canal. Chegou um momento que este canal ficou
interditado”, aponta Ricci. Gomes, que considera que o “antipetismo foi o maior
eleitor em 2016 e em 2018″, avalia que esse sentimento demonstrou ter ainda
grande poder eleitoral em 2020. “Vimos, por exemplo, até um vídeo de Silas Malafaia
apoiando João Campos, um candidato supostamente progressista, só para fazer
oposição ao PT de Marília Arraes, mesmo em um estado em que ele não tem
interesses diretos”.
Mas os resultados deste ano
pouco apontam para a discuta de 2022, considera Ricci. “O eleitor está
procurando outros caminhos”, analisa. Após uma decepção com o bolsonarismo, o
eleitor médio voltou à moderação e ao conhecido e fez dos partidos de
centro-direita os grandes vitoriosos desta eleição. “Ele está em transição,
abandonando a extrema direita e o totalmente novo de 2016 e de 2018. Ao mesmo
tempo, o campo do centro-esquerda também está tendo uma transição importante”,
diz.
O antibolsonarismo cresceu e tornou-se uma força política. Prova disso é que 11 dos 13 candidatos apoiados pelo presidente da República não foram eleitos. “Mas isso não significa que o antipetismo diminuiu”, pondera Gomes. “A questão é que o que demorou 13 anos para chegar para o PT chegou em apenas dois para Bolsonaro. Não sei se o que mais prejudicou ele foram as eleições nos Estados Unidos ou as municipais brasileiras”, acrescenta.