![]() |
O abraço de Temer e Aécio em 2016, quando o pmdbista assumiu interinamente a presidência. |
NA CARTA ENDEREÇADA a Michel Temer em forma de artigo, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, que aprovou no muque (maldosos usarão outro termo) a
emenda da própria reeleição e agora defende mandato presidencial de cinco anos,
fez um apelo ao bom senso do peemedebista para encurtar sua estadia no
Planalto. O gesto seria, nas palavras do grão-tucano, uma demonstração de
“grandeza”. Uma gentileza, claro, veja bem, se não for muito incômodo, faltou
dizer FHC.
O
convite antes revela um desejo do que um mero conselho, dado de graça pela
principal liderança tucana. Temer renunciando, PSDB e PMDB tratariam com outros
termos a estratégia para aprofundar o abraço mútuo que não levasse ao
afogamento. Aqui entram dois cálculos políticos. Um é relativo à sobrevivência
a curto prazo. O outro é eleitoral.
A
essa altura, quando todos parecem alvejados, ninguém tem condições de deixar o
aliado ferido na estrada. Sabe que vai precisar de amparo em breve. Na ausência
de coisa melhor, fala-se em bom senso por desencargo de consciência.
Na
vida real, não haveria janela de oportunidade maior para o primeiro presidente
da República denunciado formalmente por um procurador-geral do que a desgraça
do fiador da aliança com os tucanos, o senador e presidente afastado do PSDB,
Aécio Neves (MG). Seu partido, que decidiu recentemente permanecer no governo,
tem hoje quatro ministérios na Esplanada, entre eles a Secretaria do Governo e
o Ministério das Relações Internacionais.
Em
autoexílio desde que teve conversas divulgadas com o dono da JBS, Joesley
Batista, Aécio poderia ter o destino selado pelos colegas peemedebistas no
Senado caso o STF aceitasse o pedido de prisão e da perda do cargo feito pela
Procuradoria Geral da República. O ministro Marco Aurélio, porém, decidiu
atender um pedido da defesa do tucano, que teve o pedido de prisão rejeitado e
poderá voltar ao Senado. Em seu argumento, o magistrado disse considerar
normais, esperadas e decorrentes do exercício legítimo da função legislativa as
críticas feitas por Aécio à atuação do ministro da Justiça –na conversa com
Batista, ele detonava o ministro por não endereçar as investigações para os
delegados certos, seja lá o que isso signifique.
Na
semana passada, um indício de que o cálculo político pode ser determinante
sobre o imbróglio jurídico foi dado pelo senador João Alberto Souza (PMDB-MA),
presidente do Conselho de Ética que arquivou uma representação contra o tucano
por não estar convencido das acusações.
Nos
bastidores, o PMDB já sinalizava que só rejeitaria o pedido de prisão contra
Aécio, se ele avançasse, caso os tucanos demonstrarem apoio incondicional.
Este
apoio incondicional pode significar muita coisa, de votos às reformas ao abraço
tóxico, em termos eleitorais, ao mandato de Temer.
Se
não quiser virar réu, Temer precisará reunir forças em outra Casa, a Câmara dos
Deputados, para a denúncia não ser remetida de volta ao Supremo Tribunal
Federal, que pode determinar o afastamento do presidente do cargo caso haja
acolhimento. Para avançar, o pedido precisa do apoio de dois terços dos
deputados.
Em
outras palavras: os deputados terão de mostrar aos eleitores a lealdade ou não
a um presidente formalmente acusado e com atuais 7% de aprovação, segundo o
Datafolha. A um ano da eleição, a escolha pode representar o suicídio político
de quem até ontem bradava contra a corrupção e o ataque aos bons costumes da
República. Daí o apego a um detalhe aparentemente banal, mas determinante para
a sucessão das coisas: quando e como será a sessão? Na madrugada? No meio da
semana? Ou num domingo à tarde, com todos os holofotes acionados, como
aconteceu na sessão de impeachment de Dilma Rousseff?
FHC,
que agora apela ao bom senso de Temer, poderia usar o mesmo argumento sobre o
presidente afastado de sua legenda, que já mandou avisar ter uma memória boa
dos últimos 20 anos de acordos e negociações como deputado, governador e, até
pouquíssimo atrás, senador também afastado.
Falta
combinar com quem não quer colocar a cabeça a prêmio para salvar a coroa.
Segundo as contas da Folha de S.Paulo, três dos sete integrantes tucanos da
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara pretendem votar a favor da
admissibilidade da denúncia contra Temer – a análise é uma prévia da votação no
Plenário. Apenas um parece disposto a sair em defesa do peemedebista.
Temer
terá de apostar nos votos de outros partidos.
Em
um ano, o PSDB se tornou o PMDB do PMDB, que hoje exige fidelidade integral mas
observa um remedo de apoio calculado sob outros critérios, sobretudo
eleitorais. Bom senso é outra coisa. (Do theintercept.com)