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Uma voluntária recebe uma vacina contra a covid-19 na Flórida. CHANDAN KHANNA / AFP |
Do El País
O plano de vacinação contra
a covid-19 no Brasil deverá ter quatro fases e, num primeiro momento, prevê
vacinas para pouco mais da metade da população, anunciou o Ministério da Saúde
nesta terça-feira. Segundo a pasta, os primeiros a serem vacinados devem ser
trabalhadores da saúde, idosos com mais de 75 anos ou pessoas acima de 60 que
vivam em asilos e população indígena. Depois, a prioridade será de pessoas
entre 60 a 74 anos. O terceiro grupo é o de portadores de comorbidades (doenças
renais crônicas e cardiovasculares). A última fase inclui professores, forças
de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e população
privada de liberdade.
Um plano final de vacinação
contra a covid-19 no Brasil só deverá ser oficialmente apresentado quando
houver um medicamento imunizante devidamente registrado pela Anvisa, mas o
Ministério da Saúde começou enfim a desenhar a estratégia brasileira. As quatro
fases previstas para a campanha preveem 109,5 milhões de pessoas imunizadas em
duas doses, o que representa cerca de metade da população brasileira. O
cálculo, segundo a pasta, está de acordo com os “esquemas vacinais dos
imunizantes já garantidos pelo Ministério da Saúde – Fiocruz/AstraZeneca e por
meio da aliança Covax Facility”. O ministério ainda não especificou quais das
vacinas promissoras poderão ser incluídas no plano nem se comprará imunizantes
que estão fora do consórcio global mencionado, como a Coronavac, já adquirida
pelo Governo de São Paulo.
Por enquanto, as autoridades
de saúde sinalizam que, para entrarem no plano nacional, as vacinas devem poder
ser armazenadas em temperaturas de 2°C a 8°C ―a capacidade dos sistemas de
câmaras de frios já existentes no país. Na manhã desta terça-feira, o secretário
de Vigilância, Arnaldo Medeiros, definiu o perfil de vacina desejado pelo
Governo: um imunizante com elevada eficácia, possível de ser usada em diversas
faixas etárias e grupos populacionais, idealmente de dose única e
“fundamentalmente termoestável por longos períodos em temperaturas de 2°C a
8°C”. Apesar de nenhum laboratório ter sido citado, a descrição excluiria, por
exemplo, o imunizante da Pfeizer, que pediu já registro nos Estados Unidos e na
União Europeia, mas que precisa de equipamentos capazes de armazená-las abaixo
de -70°C. “Por quê? Porque a nossa rede de frios é montada e estabelecida com
uma rede de frios de aproximadamente 2°C e 8°C”, justificou o secretário.
A declaração foi dada no
mesmo dia em que se reuniram integrantes da câmara técnica criada em setembro
pelo Ministério para discutir um plano preliminar de vacinação. O encontro
aconteceu a portas fechadas e durou mais de duas horas. E dele saiu novas
informações, repassadas à imprensa apenas por um comunicado, sem margem para questionamentos
às autoridades. O planejamento de população vacinada e fases ainda pode sofrer
alterações, caso haja novos acordos de aquisição de vacinas com outras
farmacêuticas. Neste momento, o Ministério da Saúde também negocia novas
aquisições de seringas e agulhas para atender à demanda para vacinação contra o
coronavírus.
“Este plano de
operacionalização só definitivamente ficará pronto quanto tivermos uma vacina
ou mais de uma vacina que esteja registrada na Anvisa”, disse Medeiros, antes
da reunião. Por enquanto, ainda paira no país pouca transparência sobre a
estratégia nacional de vacinação, empurrada ao centro da disputa política
travada pelo presidente Jair Bolsonaro e o governador João Dória. O presidente
já rejeitou publicamente a Coronavac, uma vacina promissora adquirida pelo
Governo paulista.
O Governo Federal vem
sofrendo há meses pressões para indicar mais informações sobre o plano. Na
segunda-feira (31), o governador de São Paulo João Dória voltou a pedir que o
Ministério de Saúde informe, por exemplo, quais as vacinas que está
considerando para o seu plano. Ações neste sentido foram parar no Supremo
Tribunal Federal, que deve começar a julgar na sexta-feira (4) várias questões
sobre o plano. A corte vai decidir desde o pedido para que o Governo seja
obrigado a apresentar seu cronograma para a campanha de vacinação a cada 30
dias à Justiça e ao Congresso para ser fiscalizado. Também será decidido se o
Governo deve dizer quais vacinas pretende incluir no seu plano. O ministro
Ricardo Lewandowski, que é relator de uma das ações, já declarou que, na
iminência de aprovação de várias vacinas, “constitui dever incontornável da
União considerar o emprego de todas elas no enfrentamento do surto da
covid-19”. Na semana que vem, a Corte também julgará ações sobre a
obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus, prevista em lei, mas que não
tem a simpatia do presidente.
Alguns países já haviam
começado a dividir as populações em grupos e estabelecer uma ordem de vacinação
entre eles. No Brasil, o Ministério da Saúde tinha apenas adiantado que o
objetivo da vacinação no país será contribuir para a redução da mortalidade e
da mortalidade pela covid-19, bem como o controle de transmissão da doença.
O Plano Nacional de
Imunizações do Brasil é referência mundial na vacinação. O país possui um
exército de 114.000 pessoas aptas a aplicar vacinas distribuídas em 38.000
salas de vacinação, segundo o Ministério da Saúde. Mas as poucas informações
publicizadas até agora e a guerra ideológica protagonizada pelo presidente
Bolsonaro sobre a corrida por uma vacina já vinham preocupando especialistas. O
receio de que a população futuramente rejeite a vacina do laboratório chinês
Sinovac, adquirida por São Paulo, levou o Governo estadual a iniciar nesta
terça (1º) uma campanha de TV para promover o Instituto Butantan, que atua no
desenvolvimento do imunizante.
Ex-diretor do Departamento
de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde e pesquisador da
Fiocruz, Julio Croda, defende a necessidade de dar mais transparência à
construção do futuro plano de vacinação, tanto para ampliar o debate sobre as
estratégias com a sociedade quanto para começar um processo de comunicação à
população e evitar que usuários se aglomerem em postos e pressionem pela vacina
quando não haverá disponibilidade para todos em um primeiro momento. Croda não
vê problemas que o plano seja ajustado nas próximas semanas e que uma versão
final seja apresentada oficialmente apenas após o registro das vacinas. “Se não
comunica, poderá haver pressões internas e individuais da população querendo se
vacinar de qualquer jeito. Esta é uma doença que todos temem, que já matou
bastante gente.”
Uma questão sensível que
ainda permeia as decisões sobre a estratégia nacional é quais vacinas são
consideradas para serem incluídas na distribuição nacional. Vacinas da Moderna
e da Pfizer já pediram registro nos Estados Unidos e podem tê-lo aprovado já em
algumas semanas. Não há boa perspectiva para o Brasil adotá-las pelas
dificuldades de logística que exigem e também pela ausência até agora de
acordos de reserva de compra. O Brasil já tem um acordo para a transferência de
tecnologia da vacina da AstraZeneca e participa de um consórcio global para ter
prioridade na aquisição de outras nove vacinas, o Covax Facility. Alguns
Estados já realizaram seus próprios acordos de aquisição de vacinas, como por
exemplo São Paulo com a Coronavac e a Bahia com a Sputinik V.
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