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O cientista Gonzalo Moratorio no laboratório de Evolução Experimental de Vírus do Instituto Pasteur de Montevidéu / Daniela Hirschfeld |
El País
Quando Gonzalo Moratorio
(Montevidéu, 1982) assistiu ao filme Epidemia, estrelado por Dustin Hoffman e
Rene Russo, descobriu que quando crescesse iria querer trabalhar contra os
vírus e as doenças contagiosas. Tinha 13 anos e seus amigos da escola já o
chamavam de Donatello, como o famoso cientista das Tartarugas Ninja, porque o
que ele mais gostava de fazer nas horas vagas era resolver problemas e inventar
coisas inúteis. Hoje, 25 anos depois do lançamento do filme que determinou o
rumo de sua vida, e acompanhado pelos mesmos amigos de então, Moratorio acaba
de ser o único latino-americano reconhecido pela revista Nature como um dos dez
cientistas mais importantes de 2020 pelo desenvolvimento de um teste para
detectar o coronavírus que permitiu ao Uruguai controlar a pandemia de forma
exemplar no mundo.
Entre o despertar de sua
vocação científica e a consagração internacional que vem com um reconhecimento
como este, também entregue a cientistas da estatura de Tedros Adhanom, diretor
da OMS, Moratorio publicou 40 artigos de pesquisa, desenvolveu uma patente para
projetar vírus de RNA sintético como candidatos a vacinas e treinou em vários
times de futebol. Em paralelo à carreira de cientista, iniciada na Universidade
da República do Uruguai, onde estudou Ciências Biológicas, Moratorio nunca
deixou de jogar futebol. Uma lesão no joelho o tirou de campo.
Gonzalo Moratorio fez
mestrado e doutorado em biologia celular e molecular na mesma universidade de
Montevidéu e há mais de 15 anos trabalha para compreender a evolução dos vírus.
Entre 2012 e 2018, o cientista fez pós-doutorado no Laboratório de Marco
Vignuzzi do Departamento de Virologia do Instituto Pasteur de Paris. Ao
terminar, voltou ao Uruguai com a esperança de montar seu próprio laboratório e
formar um grupo de pesquisa que lhe permitisse pôr o conhecimento científico a
serviço da sociedade.
Hoje, Moratorio é o
pesquisador responsável pelo Laboratório de Evolução Experimental de Vírus do
Instituto Pasteur de Montevidéu e, além disso, dirige um time de futebol do campeonato
universitário do Uruguai. “O que se aprende no futebol e o que tento transmitir
aos alunos de doutorado e mestrado é que se deve comemorar o sucesso do
companheiro como se fosse o seu”, diz Moratorio por telefone, do jardim do
laboratório onde ele e a pesquisadora Pilar Moreno desenvolveram o teste
diagnóstico de coronavírus que permitiu ao Uruguai ter menos de 100 mortes após
oito meses de pandemia. “Talvez não tenha tido coragem suficiente para estar em
uma linha de fogo, como os médicos intensivistas ao lado dos pacientes, mas
pude contribuir para a geração de conhecimento e o desenvolvimento de
ferramentas que estão salvando vidas.”
Pergunta.
Qual foi a origem dos testes e como vocês os desenvolveram?
Resposta. No
início da pandemia, recebemos mensagens da Espanha e da Itália sobre o que iria
acontecer conosco. Vimos como as fronteiras começaram a ser fechadas e como os
aviões foram parando. Seria muito difícil encontrar suprimentos para testes.
Eram escassos e caros. Por isso, no Instituto Pasteur de Montevidéu decidimos
fazer nossos próprios testes com os materiais e a tecnologia disponíveis no
Uruguai. No final, conseguimos uma receita fácil de reproduzir, que tinha a
mesma sensibilidade e especificidade de qualquer um dos testes recomendados
pela OMS.
P. O
que o diferencia de outros testes de diagnóstico?
R.
Nossos PCRs são autônomos e soberanos. Não precisamos de nenhum grande
laboratório nem empresa farmacêutica para realizá-los. Isso é uma vantagem
porque, por exemplo, os testes da Roche só funcionam com equipamentos da Roche
e os equipamentos da Roche só analisam os testes da Roche. O mesmo acontece em
outros casos. Nossos testes são para todos os tipos de equipamentos, são
abertos e gratuitos porque os financiamos com recursos públicos e a cooperação
internacional.
P.
Quantos testes produziram?
R. No
início da pandemia respondemos por 40% de todos os testes que foram feitos no
Uruguai, depois, 30%. No total, desenvolvemos quase 150.000 testes. Deve-se
levar em conta que o Uruguai tem três milhões de habitantes e foram feitos
cerca de meio milhão de testes. É um dos países que mais realizam testes para
cada caso positivo detectado.
P.
Como conseguiram isso?
R. Nas mesas dos políticos
foi preciso tomar decisões muito importantes. Tínhamos duas opções: trazer
absolutamente tudo da Coreia do Sul, técnicos, insumos, centenas de milhares de
testes, ou apostar que nós no Uruguai poderíamos fabricá-los sem depender de
ninguém. O país escolheu a segunda. Conseguimos fazer milhares de teste desde o
dia da primeira infecção. Isso serviu para fazer diagnósticos em massa,
rastrear as infecções e isolar os positivos. Pudemos conter as mortes, até o
momento são menos de 100 mortos por coronavírus no Uruguai. Também ajudamos a
evitar uma quarentena obrigatória que restringiria os direitos individuais.
P.
Além do desenvolvimento dos testes, a Nature reconhece a instalação de
laboratórios para detecção do vírus em todo o território. Como foi essa
experiência?
R. Sim,
para nós o mais importante foi poder capacitar muitos alunos de mestrado e
doutorado para que se espalhassem pelo país e nos ajudassem a montar
laboratórios de diagnóstico em todos os hospitais públicos. Cada local nos
fazia um inventário dos equipamentos que tinha à disposição e com isso
montávamos pequenos centros de detecção para conter a disseminação do vírus.
P.
Conseguiram assim conter os contágios em massa nas fronteiras com o Brasil e a
Argentina?
R. A
disponibilidade imediata desses testes e a capacidade de implementá-los em todo
o território ajudaram a conter a pandemia. As fronteiras, sobretudo a do
Brasil, que é o país com mais infecções na América do Sul, eram uma
bomba-relógio, por isso colocamos laboratórios nessas áreas específicas. Assim
evitamos a entrada de muitos contágios. No entanto, meu medo é que todos esses
esforços sejam arruinados porque com o verão as pessoas estão relaxando e os
números estão subindo.
P.
Acha possível replicar essas experiências em outros países da América Latina?
R. Acredito que sim. O mais
importante é descobrir que em nossos países podemos gerar conhecimento e valor
agregado. É preciso investir mais dinheiro do que PIB em ciência. Isso se
reflete no crescimento geral da sociedade. A ciência é o veículo para a América
Latina melhorar sua qualidade de vida. Tomara que vejamos os países de nossas
latitudes produzindo as próprias vacinas em um futuro próximo.
P.
Qual é a sua opinião sobre o desenvolvimento da vacina contra o coronavírus?
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